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sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Um estado corpo-peixe



O solo intitulado “Piranha”, de Wagner Schwartz, foi apresentado na PID (Plataforma Internacional de Dança) realizada na cidade de Salvador, nos dias 7 e 8 de Dezembro de 2012. Eu pude ir à apresentação do segundo dia, às 18horas.
            Entramos no teatro e logo a luz se apaga. Começa a passar um vídeo juntamente com um som de interferência e microfonia. Esse vídeo consistia basicamente em um diálogo da tela com os espectadores, sendo apresentado um pequeno texto, porém com uma frase de cada vez, dando o tempo de se ler e compreender pouco a pouco o que estava sendo dito. As frases diziam algumas informações e diferenciações características do peixe piranha: origem do nome, diferentes nomes, o que come, onde vive etc. Isso intercalado por alguns momentos de imagens digitais, que mais pareciam códigos ou algum tipo de configuração.
            Depois de aproximadamente 15 minutos de imagens projetadas, a tela e a luz se apagam novamente. Entra o artista. Coloca-se no canto direito do palco com uma luz fria que vinha de cima para baixo. Suas roupas também trazem a frieza das cores: uma camisa cinza básica e uma calça cor de gelo. 
            Não sei exatamente que adjetivo usar para a qualidade de movimento que ele começa a explorar no palco. Algo como “tremer” ou “vibrar”, num movimento constante que muda de escala ao longo do tempo. Durante 40 minutos essa qualidade de movimento é a única explorada, e aquilo que se inicia leve e sutil, vai crescendo progressivamente, não como uma mudança clara de intensidade e velocidade, mas como um aumento natural da reverberação de um movimento contínuo no corpo. Não há um momento específico em que o movimento amplia e se transforma, pois isso é um processo percorrido de forma gradual, onde o corpo passa pelo limiar do movimento voluntário e involuntário.
            Essa qualidade do tremer ou vibrar, juntamente com a camiseta de tecido mole, constrói uma imagem associada diretamente ao nome “piranha”, principalmente pelo fato de ser um peixe: O artista se coloca em movimento como de um peixe fora d´água, agitado e instintivo, respondendo apenas às próprias necessidades decorrentes do estado corporal em que ele se coloca.
            Atrelado a isso os fortes sons de ruídos altamente tecnológicos e digitais que persistem do começo ao fim. Som e movimento permanecem numa mesma linha do começo ao fim, transformando-se por uma reverberação progressiva, o que me leva a lembrar da palavra “transe”. Esta palavra é delicada de se colocar, pois há diversos entendimentos diferentes e enraizados em seus próprios contextos ou áreas do conhecimento. Portanto, coloco transe aqui como algo proveniente de uma longa repetição, que se prolonga constantemente de forma a gerar drasticamente um estado corporal alterado, distante do estado experimentado na vida cotidiana.
            É com a exploração dessa intensa repetição, que Schwartz cria a diferença. Não é possível dizer que ele fez a mesma coisa estes 40 minutos. É no fazer constante que se encontram, nos lugares mais sutis do corpo do artista, as características especificas daquele corpo, que nenhum outro pode fazer igual. É a exploração da qualidade de movimento tremer, que não necessariamente é uma novidade do campo da arte contemporânea, mas é o jeito que essa pessoa específica, no caso Wagner Schwartz, encontrou de levar para a cena tal experiência de corpo.
            Sua última ação colocada em cena é o momento em que vira o tronco para traz em direção sagital, e deixa completamente visível o movimento de abrir e fechar das costelas, provocado pela respiração intensa após tanto tempo de repetição progressiva.  De volta a uma escala micro do movimento, associando ao estado-peixe mais uma vez, suas costelas lembram o movimento de guelras fora d’ água.
            Cria-se um estado corporal e isso interfere no estado pessoal de todos que estão ali, olhando pra ele. Alguns cansados, outros angustiados, outros simplesmente pensativos. Todo tipo de obra sempre irá afetar diferentes pessoas por diferentes motivos, de acordo com o estado de cada um naquele momento, fazendo-nos associar com as experiências que temos até aquele exato momento. E aí, saímos, carregando mais uma experiência nova, associando com nossa arte, ou com nossa vida, ou com nada. Mas observando a disponibilidade de um artista em compartilhar com o mundo sua inquietação pessoal, que nunca saberemos exatamente de onde vem. 


Texto elaborado para a diciplina de Estudos Crítico-Analíticos em Dança IV, Professora Fátima Wachowicz - Licenciatura em Dança - UFBA.