Páginas

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Fuga? Espiritualidade? Vanguarda? Afinal, que história é essa de eletrônico?

É a primeira vez que venho escrever aqui assim, direto, sem escrever no papel antes. É que acabei de passar uma situação que me fez querer escrever sobre, até pra me ajudar a organizar minhas idéias.


Desde o começo do ano venho coletando informações e materiais, conversado com pessoas e exercitando a reflexão a cerca de um assunto que cada vez mais me interessa, do ponto de vista acadêmico: os festivais de música eletrônica. Mais do que isso, o lugar do corpo nesses eventos.


Claro que vejo um forte interesse mercadológico do ponto de vista da produção dessas festas. Normalmente é tudo caro e se faz um marketing verde fortíssimo para promove-las. No fim das contas, você chega na festa e nem a coleta seletiva está sendo feita. Isso logicamente não pode ser excluído, mas também temos de pontuar a forte influência da Rede Globo, no início dos anos 2000 para criar uma aversão coletiva a este tipo de festa. Os pais não queriam mais que seus filhos fossem, pois acreditavam ser um lugar perigoso em que o tráfico de drogas rolava solto.

Que rola muita venda de drogas, é fato. Mas também é fato que em todas as festas que fui até agora (São Paulo, Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro) encontro com pessoas que compartilham de muitas formas de entender o mundo e as relações, pessoas que realmente estão em processo de reflexão, tentando aplicar a vida prática e cotidiano vivências e sentimentos provocados na pista de dança.


As pessoas com mais de 40 anos que não são DJ's ou que não tem contato com a cena, conservam muitos preconceitos a respeito dos festivais. Minha tia hoje me disse: "Eu acho que ninguém está buscando espiritualidade. Isso é fuga". Bom, não sei porque, mas me irritou. Ora, acho que muita gente está fugindo da sua realidade cotidiana sim, mas sinceramente não vejo mal nisso. Além do que quem determina um caminho certo para espiritualidade? As vezes, quem medita alcança certo estágio que outro alguém só alcança na pista de dança. Sem contar, que em todos os festivais que fui, sempre tem alguém meditando em algum cantinho do chillas...

Tenho buscado referências teóricas, pois é isso que interessa na Universidade. Encontrei a dissertação de Tiago Coutinho, que é muito abrangente de vários aspectos dos festivais, sem ter uma visão limitada, levando em conta diferentes pontos de vista.



Do ponto de vista do corpo ele pontua que são festas responsáveis por permitir um "jogo de sentidos". Tanto você se relacionando com você, como com as pessoas e coisas a seu redor. E a música maestra todas as sensações. A frequência das caixas de som fazer nossa audição não captar mais a informação, sendo ela detectada pela vibração da caixa toráxica. Paramos de ouvir e passamos a sentir. E é isso que me interessa estudar, do ponto de vista do corpo.

Aí me deparo com outra crise (além de estar em um longo processo de diálogo com os membros de minha família, tentando explicar que não estou falando apenas de fritação, embora ela faça parte também): o fato de que, por ser algo totalmente contemporâneo, não sei QUEM dentro da acadêmia está interessado em me orientar. Na verdade, começo a pensar inclusive se eu não devia estar cursando antropologia. Segundos depois vejo que não, que é dança mesmo, o que me interessa sou eu, é o corpo...mas, falar de raves sem estar louco ainda parece loucura. 



Mas aposto que daqui a uns 30 anos, assim como hoje LOUVAM o movimento hippie, estarão pontuando experiências individuais e coletivas que estão a todo o momento se fazendo pelo mundo, na cena da música eletrônica. Quem não conhece, por favor, tome cuidado ao referir-se a ela. Quem está na cena acredita muito no que está fazendo.E quem participa, não generalizando, mas está sim em um processo de busca contínuo, em que muitas coisas são de FATO vividas na pista. Minha vinda pra Bahia me fez entrar em contato com gente muito séria da cena eletrônica, que sabe o que quer, metem as caras pra produzir as festas e manter a cena girando, fortalecendo, promovendo encontros e trocas.

A meu ver, pode ate ser considerado nascimento de uma vanguarda. Seguindo a perspectiva de Richard Kostelanetz:

"O termo vanguarda refere-se àqueles que estão no front, abrindo o caminho que outros tomarão.(...) transcende as convenções correntes da arte, em vários aspectos, estabelecendo uma distância discernível entre si mesmo e a massa das práticas mais usuais"
Do ponto de vista da música, principalmente, a meu ver, o eletrônico segue esses preceitos.

É muito difícil, mas a única coisa que sei é que cada vez que alguém vem com algum comentário preconceituoso ou resistente a essa nova galera, que propõe novas experiências, eu me sinto mais na obrigação de produzir CONHECIMENTO sobre isso, academicamente, colocar esses assuntos em pauta na acadêmia.Como diz um amigo meu "alguém precisa conceituar a cena, pra ela ganhar legitimidade". Se tem algo que é verdadeiramente contemporâneo é a cultura eletrônica e, garanto, que se nenhum Doutor quiser me orientar, seguirei a pesquisa sozinha.

Um comentário:

  1. Minha linda, eu dou a maior força pra voce fazer essa pesquisa, voce sabe. O tipo de comentario da sua tia é completamente preconceituso. Podemos ver qualquer filme no cinema e falar "isso não é arte, isso é entretenimento". Podemos ouvir musica eletronica e falar que não é musica, mas alguma outra coisa. Acho que a questão de conceituar é realmente fazer legivel qual essa nessecidade de espiritualidade. Fuga a gente tem de monte. Cinema pode ser fuga, maconha pode ser fuga, manicure pode ser fuga, até trabalho pode ser fuga. Você deveria ter perguntado do que a sua tia acha que o publico da rave tá fugindo. E se ela falasse que é da realidade, pergunte de novo para ela o que é realidade; porque pode ser o que ela vê, o que ela escuta, ou só o que ela sonha. Realidade poderia ser o que esperamos dela. Na minha opiniao, estamos todos fugindo. Se a gente não fugisse das coisas, seriamos aniquilado por elas, estraçalhados e estilhaçados. Como o tal do "filtro" que precisamos ter. Mas isso também é outra coisa a se pensar, e não vem ao caso agora...
    Mete bronca ae, cataventosa!!
    beijos!

    ResponderExcluir